Despedida do Avô João
Chegou a 10 de janeiro de 1929 logo a desafiar as probabilidades. Nasceu prematuro, talvez não tão prematuro quanto isso, porque o pai era um malandro, como nos disse tantas vezes. Foi baptizado dia 11, esteve numa caixa de sapatos à lareira meses, e vingou. O velho sempre foi rijo. Perdeu a mãe cedo, mas teve uma avó Fina que cuidou dele e dos seus irmãos como se fossem dela.
Casou com a avó Mené, com quem esteve a vida toda, muitas vezes às turras, mas sempre de mãos dadas. Aos 26 anos foi pai do melhor filho que podia ter tido e aos 51 iniciou funções do melhor avô que podia ter sido. Ia pôr e buscar os netos à escola sempre que era preciso. Esperava horas infindáveis pela Maria Maria enquanto ela cumpria os castigos na escola (ou mais tarde, no secundário, enquanto ela socializava com os amigos, embora ele fingisse que não sabia). Era o amuleto da sorte do João João em todos os exames da escola e da faculdade e isto explica o facto de ele ter tido sempre tão boas notas.
Gostava tanto dele que lhe deu o nome ao barco – toda a gente em Paço de Arcos sabia de quem era o “João João”. Passeava o Ruffy, que o recebia em êxtase e o expulsava a rosnar. Gostava de pescar, e às vezes lá se comia um sargo ao almoço. Tinha, e tem, no filho o maior companheiro e um orgulho infindável, embora nem sempre o demonstrasse. Os bisnetos tiveram a sorte de lhe poder gritar aos ouvidos para ele conseguir ouvir.
Todas as noites se despedia com um “até amanhã, se Deus quiser”. No dia 23 de Abril de 2021, Deus não quis. Mas acima de tudo, quem não quis foi ele. Ficam as memórias e o privilégio de termos tido a companhia dele tanto tempo. Gostamos muito de ti, avô João. Vamos obrigar a avó a arranjar o cabelo e a cortar as unhas. Estarás sempre connosco, nos almoços e jantares, nos bancos do jardim e nos passeios de barco. Até amanhã, quando Deus quiser.” Maria Maria Mendes
A Voz Impresso | Série: 3ª | Nº 29 | Junho | 2020|Ângela Maria Viegas Álvares – Poema dedicado ao Dia do mar