Revista da Associação 25 de Abril: O REFERENCIAL
No âmbito das celebrações dos 50 anos de Revolução dos Cravos, a Associação 25 de Abril promoveu uma edição especial da sua revista O Referencial (nºs 152 e 153, Janeiro-Junho 2024). Trata-se de uma edição histórica, com 50 testemunhos de memória e futuro:
1974 – 2024 50 ANOS DE ABRIL
– CONTINUAR!
A apresentação pública, muito participada, ocorreu no dia 17 de Abril último, na Gare Marítima de Alcântara.
A presente edição, constitui uma homenagem a todos os que fizeram e lutaram por Abril. Nela estão reflectidos, os olhares plurais de 50 Homens e Mulheres que têm em comum o amor à Liberdade!
Ao Senhor Contra-Almirante Martins Guerreiro, militar de abril que consubstancia os ideais da Revolução, um OBRIGADA emocionado pelo convite para integrar esta iniciativa única e irrepetível.
Publica-se de seguida o texto da autoria da signatária. Margarida Maria Almeida – 25 de Abril de 2024
ABRIL SERÁ SEMPRE ABRIL
Abril amanheceu para devolver a esperança ao povo português, rasgando caminhos de liberdade, de dignidade, de justiça social e de esperança: uma nova vida, um Homem novo!
O MOVIMENTO DOS MILITARES DE ABRIL permitiu derrubar uma ditadura feroz, acabar com a guerra colonial, transformar estruturalmente o Portugal de Salazar: um país periférico, subdesenvolvido, habitado por uma pobreza endógena, a miséria da fome, dos que viviam no fio da navalha, da luta pela sobrevivência.
Eram os anos em que os pobres se chamavam “pobrezinhos” e Amália cantava as alegrias da frugalidade da casa portuguesa com pão e vinho sobre a mesa.
O regime exercia um controle social férreo, com a conivência da uma Igreja poderosa que se confundia com o poder vigente: Deus, Pátria e Família!
Uma parte significativa do povo vivia em casas exíguas, insalubres, sem saneamento básico, água canalizada, luz elétrica. As barracas proliferavam.
As mulheres tinham apenas deveres. O homem era o chefe de família, era ele quem mandava lá em casa; elas ajudavam na lavoura, faziam a “lide” da casa, criavam os filhos que iam nascendo. Sábias na arte de poupar, essencial à frágil economia doméstica, militantes da arte do “Zero desperdício”! Ecologistas avant la lettre, queridas Mães!
A saúde era incipiente: nascíamos e morríamos em casa, sem assistência médica. Uma elevada taxa de mortalidade infantil que desceu a pique no Portugal de Abril…
Incipiente também a “Caixa de Previdência”, um arremedo do sistema universal de segurança social que nos protege hoje na doença, na velhice, no desemprego e que contempla uma importante vertente de solidariedade.
A taxa de analfabetismo envergonhava-nos, traduzindo o nosso subdesenvolvimento…
No Portugal fundado nos valores humanistas e intemporais de Abril, vigora o ensino gratuito e universal, quase 500 mil estudantes frequentam o ensino superior! Cidadãos do mundo, investigadores, fundadores de empresas tecnológicas de sucesso, jovens de áreas diversificadas são disputados pelos centros de excelência de um mundo global ávido do seu saber!
Nos anos 60 deflagrou a “Luta Armada pela Libertação Nacional”, a guerra colonial! Os povos reivindicavam em armas a independência do chão onde nasceram. Treze longos anos de dor e de morte, uma ferida ainda mal sarada tantos anos depois…A revolução dos cravos abriu as luminosas alamedas da PAZ, reconhecendo o direito de soberania aos povos que a exigiam. Revolução e Paz escrevem-se com o nome de Abril…
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
O dia 25 de Abril imortalizado nas palavras da também imortal Sophia de Mello Breyner Andresen! A mágica madrugada em que “os rapazes dos tanques”, corajosos capitães de Abril – com risco das suas próprias vidas – marcharam sobre Lisboa e derrubaram o regime: nunca será demasiado destacar a maturidade e coragem de Salgueiro Maia, o grande herói que simboliza a generosidade de Abril, o Homem Bom que a morte nos roubou tão cedo….
Multidões aclamavam os militares revoltosos, entupiam as ruas da Baixa, o Largo do Carmo…Em Caxias, a multidão exigia a libertação imediata dos presos políticos! Momentos de uma imensa felicidade, de lágrimas e risos, de abraços sem fim, de esperança, de Liberdade! Porque o Homem nasceu para ser livre!
25 de Abril de 1974: muitos de nós fomos espectadores e protagonistas privilegiados do dia que ficaria na História de Portugal e que mudaria, PARA SEMPRE, as nossas vidas e a vida do país!
De forma apaixonada e intensa – felizes, tão felizes! – acompanhámos com emoção e exaltação a revolução dos cravos vermelhos a florir poeticamente na ponta das espingardas! Éramos jovens, Abril era uma festa!
A instauração da democracia, um irreversível avanço civilizacional que nos recentrou nos palcos políticos internacionais: adormecemos no país do orgulhosamente sós, acordámos no país do orgulhosamente acompanhados!
Tudo acontecia num ritmo vertiginoso – Marcelo Caetano e a sua corte partiam para o exilio, chegavam os patriotas que regressavam à “terra prometida”. Era depois a vez de Mário Soares e de Álvaro Cunhal, de milhares de exilados, a alegria e a esperança no olhar, nos gestos largos: braços e abraços à sua espera. A utopia era possível, naqueles dias tudo parecia ser possível.
A originalidade de um golpe militar sem derramamento de sangue, a ORIGINALIDADE – ÚNICA NO MUNDO! – de uma revolução em que os militares não quiseram o poder para si, entregando-o generosamente aos civis depois de cumprido o Programa do Movimento das Forças Armadas, um guia para assegurar a consolidação da democracia! O Programa dos três Ds: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver!
Cometeram-se erros, excessos? Sim, mas os capitães de Abril eram jovens, com pouca experiência! Tinham dúvidas e enganavam-se, a força dos movimentos populares ultrapassou-os por vezes.
O que fica para História é o compromisso de fazerem o melhor que sabiam e podiam. O que fica para a História é que são eles os arquitetos de uma Democracia sólida, assente no respeito pelos Direitos Universais do Homem!
Todos estamos convocados para defender estes Direitos: pelos nossos filhos, pelos filhos dos nossos filhos, exigimos uma nova forma de fazer política. Queremos políticas de verdade, de transparência, de proximidade, amigas do cidadão, do Planeta!
Vivemos numa encruzilhada de desafios ameaçadores: a urgência de inverter a trajetória de um Planeta exausto e em fúria, a guerra, a inteligência artificial, a fragilidade e ineficiência de instituições estruturantes da nossa sociedade. Para os enfrentar todos somos necessários: defendemos uma economia ao serviço do Homem, rejeitamos o neoliberalismo arrogante e selvagem com as suas multidões de novos pobres, escravos sem direitos…
Exigimos o nosso direito à vida, à saúde, à habitação, à justiça, à educação, a salários e vidas dignas, à erradicação da pobreza, ao emprego pleno; rejeitamos a venda a retalho das empresas dos sectores estratégicos, hoje nas mãos de Fundos sem rosto.
Queremos ser felizes, viver dignamente! Queremos confiar nos governantes, só assim poderemos derrotar uma extrema-direita racista e xenófoba que nos acena com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, espreitando o momento de esmagar o que conquistámos em Abril de 1974.
Connosco, até ao nosso último suspiro, viverão os valores maiores que Abril nos ofereceu na pessoa dos militares, jovens e românticos heróis da nossa juventude!
Para todos eles, UM COMOVIDO E IMENSO OBRIGADA!