Os Wilson
Corria o ano de 1992. Eram os tempos do fim do regime do apartheid na África do Sul, dos Jogos Olímpicos de Barcelona, da clonagem da ovelha Dolly. Então, como hoje, havia países em guerra: Bósnia, Kosovo, Iraque…
Em Oeiras, no coração do (meu) Bairro Augusto de Castro, nascia um projeto pioneiro que suscitou muita curiosidade: chamava-se “Mr. Wilson Health Club” O Mr. Wilson (como passou a ser designado) terá sido o primeiro ou um dos primeiros Health Clubs a abrir na nossa vila.
Naquele sábado longínquo, fomos presenteados com um espetáculo de ginástica, passagem de modelos – a Ana Wilson Miss Portugal 1982, iria ali dirigir uma escola de manequins – dança e música ao vivo. Foi o arranque que abriu a porta a 30 anos de actividade de sucesso. Trinta anos de serviço público prestado à comunidade, trinta anos de exercício de cidadania.
Um projecto familiar, pensado por Mário Wilson filho. Ele e os irmãos homenagearam o Pai, associando o nome do “Velho Capitão” ao projecto que sonharam.
Mr. Wilson!. O nome de um Homem que marcou a história do futebol português, tendo integrado mais de uma dezena de clubes. Foi jogador e treinador, designadamente da Académica de Coimbra e do seu amado Benfica. Foi, também, seleccionador nacional.
O seu nome fica para sempre na história de Oeiras e na memória de todos os que o conheceram: pela dignidade, ética e dimensão humana. Era doce, jovial e possuía um notável sentido de humor. Um homem que passou estes valores aos filhos.
Em 2017, o Município de Oeiras homenageou-o, atribuindo o seu nome ao Estádio Municipal de Oeiras que passou a designar-se “Estádio Municipal Mr. Wilson”, traduzindo assim, cito “…o reconhecimento pelo mérito do serviço publico prestado, pela dedicação e determinação nas funções que desempenhou ao longo da sua vida”.
Milhares de pessoas passaram pelo Mr. Wilson, diversas gerações de pais, filhos e netos, todos unidos no amor comum à causa do exercício físico. O pessoal andava contente, mais motivado, mais elegante!!
Foram trinta anos de actividade ininterrupta e intensa, um exemplo de sã convivência. O Mr. Wilson Health Club era e foi até ao fim um porto de abrigo para muitas das pessoas que o frequentavam. Ali todos eram recebidos com um sorriso, uma graça, uma palavra amiga e, se fosse o caso, um ombro para desabafar. Existia uma relação personalizada com cada um de nós, tínhamos nome e um rosto. Eramos mais do que um número frio e impessoal. O Mr. Wilson foi uma “casa” para muita gente, uma ajuda preciosa no combate à solidão, às solidões.
Vizinhos óptimos, gente de bem, que saudades deixaram aos que com eles conviveram! Os Wilson eram fixes! Os Wilson são fixes!
Foram absolutamente heróicos: durante anos e anos lutaram e sobreviveram aos novos e modernos ginásios das grandes cadeias, instalações novinhas em folha, equipamentos ultramodernos, piscinas aquecidas, etc.
O Holmes Place, por exemplo: como competir com aquele gigante modernaço e o seu marketing “aguerrido” para atrair clientes? Nesta luta desigual, o “segredo” residiu no profissionalismo e, sobretudo, naquilo que mais os diferenciava: o atendimento personalizado e caloroso. Mais do que “clientes” todos eram amigos ou potenciais amigos. E assim seguiram em frente.
Foram novamente heróicos na resistência à pandemia do Covid-19! Interrogo-me como conseguiram sobreviver durante dois longuíssimos anos sem poderem exercer a sua actividade: não entrava dinheiro, apenas saía, para pagar salários, rendas, impostos… A pandemia passou e eles continuaram de pé. Como as árvores.
Tudo parecia correr normalmente e, do nada, cai a bomba: o “velho” ginásio iria encerrar para sempre a sua atividade.
A incredulidade foi geral. É publico – penso eu – que esta não foi uma opção dos irmãos Wilson! É público que foram compelidos a sair. Por ironia da vida, tudo aconteceu numa fase de pós pandemia, fase em que se abriam novas perspetivas para todos.
Não desistiram facilmente. Tentaram reverter a situação até … até que chegou o dia em que o fim foi inevitável.
Foi, uma vez mais, uma luta desigual! “Perderam” ganhando: ganhando, pela dignidade com que viveram este drama pessoal e pela postura ética que assumiram em momentos tão duros. Não foi fácil deixar para trás tantos anos de dedicação à comunidade onde estavam inseridos…
Vi neles a tristeza profunda, a tristeza de quem vive o fim de um bonito projecto familiar e o fim de uma vida de trabalho. Para trás deixavam tantos, tantos amigos…
Como pôde cessar desta forma uma relação contratual baseada na confiança que se terá estabelecido ao longo de 30 anos? Ocorre-me a questão que vem sendo denunciada pela comunicação social: o assédio perpetrado pelos proprietários para se verem livres dos inquilinos mais antigos. Desconheço as razões que ditaram este desfecho que lamento, que muitos de nós lamentamos profundamente.
Para os Wilson abrir-se-ão novos caminhos, surgirão novas oportunidades. O profissionalismo e a fibra de que são feitos fá-los-á surfar a onda de novos e diferentes desafios.
Os valores transmitidos pelo “Velho Capitão” são universais. e intemporais. Os seus filhos – o Mário, o Artur, a Ana – estiveram e estão à altura do legado que lhes foi passado. Onde quer que esteja, o “Velho Capitão” estará certamente orgulhoso da sua prole…
Uma palavra especial ao “filho” adoptivo do Mr. Wilson: falo do Henriques, óbvio! O Henriques que viveu esta aventura desde o início e que esteve sempre incondicionalmente ao lado dos Wilson. Falo também do profissional reconhecido, do homem culto, do homem bom, do amigo.
O meu bairro, a minha rua, ficaram mais cinzentos, mais pobres, mais estandardizados.
Uma grande obrigada aos Wilson e às equipas que os acompanharam nesta aventura bonita que se traduziu num serviço valioso prestado à comunidade ao longo de várias décadas. Não é coisa pouca e valeu muito a pena!
Margarida Maria Almeida
Oeiras, Agosto 2022