A Difícil Prática Da Cidadania
A qualquer pessoa que se pergunte se ela em sua casa deita lixo para o chão a resposta será, obviamente, não. No entanto, essa mesma pessoa, em muitos casos, não pensa duas vezes para mandar para o chão do espaço público toda sorte de porcarias. Das beatas às latas de refrigerantes passando pelas máscaras, garrafas e que tais, de tudo um pouco encontramos pelos nossos caminhos cotidianos. Há muito que isso incomoda-me e esse incómodo vem da minha infância na periferia pobre da zona sul de São Paulo. Não que tenha de lá trazido à nascença, o respeito pelo espaço público e sim porque, aos dezasseis anos, em plena ditadura militar fomos embalados por lemas diverso como “ESSE É UM PAÍS QUE VAI PRA FRENTE”, “BRASIL AME-O OU DEIXE-O” e outros ufanismos típicos dos ditadores. Naquela época de triste lembranças os “mui amigos generais” enquanto massacravam quem se lhes opunham, criaram, dentre outras tantas iniciativas relacionadas à educação moral e cívica – uma das matérias do ciclo básico do ensino – a campanha “POVO DESENVOLVIDO É POVO LIMPO” estrelado por um boneco criado por Ruy Perroti chamado Sujismundo. Veiculada à partir de Setembro de 1972 em filmes de 60 e 90
segundos no cinema e na televisão o personagem ganhou a simpatia das pessoas e foi bastante eficiente, digo por mim e pelas milhares de crianças e jovens que detestavam serem chamados de pelo nome do personagem que protagoniza o comportamentos de desrespeito à, vamos assim dizer, civilidade, ainda que seus patrocinadores não tivessem quase nada de civilidade. Quando se movimentava Sujismundo era acompanhado de uma nuvem de sujeira e ia deitando porcarias por onde passava
Esse período veio-me à memória a semana passada quando fui tomar a dose de reforço da vacina anti COVID19. Cheguei na primeira hora de funcionamento do centro de vacinação em Carnaxide a operar na modalidade casa aberta. Em menos de meia hora estava despachado. Próximo a porta de saída havia um ecrã bastante grande e notei que estava a dar uma espécie de reportagem, muito bem executada, criada pela Câmara Municipal de Oeiras na qual um trabalhador da recolha de lixo comentava, acompanhando imagens que ilustravam, as diversas situações que eles enfrentam no seu nobre trabalho de recolher o lixo que produzimos diariamente.
Carros estacionados de forma irregular a dificultar o trabalho; lixos depositados fora de contentores com espaço para recebê-los; lixo orgânico misturados aos recicláveis etc. e por fim, os reclamos das pessoas quanto aos horários de recolha: se recolhem de madrugada reclamam; se recolhem pela manhã, reclamam, se recolher a tarde reclamam ou seja, nunca estão de todo satisfeitos. Confesso que não me agrada ser acordado pelo ruído dos caminhões e do barulho – parece que alguns trabalhadores fazem questão de bater os contentores – mas compreendo a complexidade da logística ao mesmo tempo em que duvido da eficácia do seu planeamento. Por essas e por outras observações me parece que a Sociedade Ponto Verde deixa um bocado a desejar.
Saio pela porta e subo a rampa que vai dar à rua, protegida por uma cobertura provisória ali instalada para a vacinação ao mesmo tempo que retiro da camisola a etiqueta que recebi com o horário em que podia sair. Me deparo com montes dessas etiquetas atiradas ao chão e um bocadão delas coladas à estrutura da cobertura. Meto a mão no bolso e apalpo a pequena bola que fiz à minha etiqueta e penso na displicência das centenas de Sujismundos que por ali passaram.
No meu primeiro artigo no A Voz de Paço de Arcos escrevi sobre a necessidade de a educação ambiental, por se tratar de mudança de comportamento, necessitar de ser permanente, abranger todas as camadas da população a começar daqueles que estão diretamente envolvidos nas questões ambientais, pois estes me parece não conseguir pensar, passe o estrangeirismo, fora da caixa.